quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Só um cafezinho...

Assim como a prostituição é chamada de “a profissão mais antiga”, os mendigos também existem há, no mínimo, dois milênios. Talvez uma das únicas “profissões” (muitas aspas nessa profissão) que apesar de transcendental, pouco modificou na sua essência: pessoas muita das vezes abaixo da linha da pobreza ou da miséria, pedindo ajuda, alimento, ou quando fui alvo, só um cafezinho.

Com a vida urbano-capitalista que rege praticamente todo o mundo desde o fim da guerra fria, adquirimos uma “habilidade” que se mostrou muito prática nesta correria diária: a automatização do ser humano. A veloz rotina a que nos submetemos promoveu esta robotização do eu. Ao entrar no ônibus, táxi, elevador, etc., é maquinal: “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”. E por que cargas d’água isso seria ruim? Pelo contrário! Hoje em dia, em que a educação é tão cara quanto às iguarias advindas da Índia no século XIV, desejar um bom dia seria uma expressão de completa humanidade, certo? Em partes sim. É imperativo pensar, entretanto, que por detrás da saudação, houve um movimento automático do pensamento- se é que pode-se chamar assim- que não promoveu o sentimento real de que o interlocutor deveria ser alvo.

Em um episódio recente, no qual fiz parte, um senhor maltrapilho, de cabelos desgrenhados e face sofrida pediu-me para que eu lhe pagasse um cafezinho. Exatamente assim: um cafezinho. Eu, num misto de susto (não marcavam sete horas no relógio ainda), medo (característica carioca) e, claro, automatização, disse-lhe que não possuía comigo nenhum dinheiro. Mentira.

Tentei juntar argumentos que justificassem a minha atitude instintiva, como o fato de muitos pivetes usarem a esmola como desculpa para alimentar seu vício de cola ou homens feitos que guardam o dinheiro para saciar sua sede alcoólica, mas analisando a figura que agora me pedia, não encontrava argumentos para incrimina-lo.

Com o passar dos minutos e horas acabei por embarcar em uma viagem interna em busca de respostas para o acontecido e, diga-se de passagem, foi um conflito interno assaz intenso que não cabe agora, pois não tenho intenção de me demorar ainda mais. De fato fiquei triste, pois me vi sendo um exemplo perfeito de uma aula naturalista onde o determinismo é o grande senhor e sendo assim, o meio influenciando e corrompendo o ser; o meu ser.

6 comentários:

Unknown disse...

Nossa!! Impossível não ler e num lembrar d todas as vezes q vc jah foi parado na rua por um mendigo!! OMG, foi uma mistura d sentimentos qnd li. A ironia do escritor fez com q eu sentisse vontade d rir, porém não posso esquecer quão dramátia é a situação! =/ Mto bem escrito!! =D

Anônimo disse...

Como já te disse... mto legal a forma como vc consegue se expressar e exprimir esse conflito interno! pq eu passo por isso direto e nunca soube exteriorizar... fico só matutando.. e vc descreveu direitinho!
é meu orgulho mesmo! dá cá um abraço, vai, filhão!

Unknown disse...

Kra realmente mt impressionante a forma como se expressa. Por vezes passei por situação equivalente e sempre tentava axar uma explicação no minino verdadeira pra tal aversão a ajuda mas qando olhava dentro percebia o qão egoísta e vazia(de personalidade) sou, xegando por fim ao ponto d fingir q nunca pensei no assunto p me iludir dizendo: - Coitado q Deus o ajude. Então gente, q filme vamos ver?

Anônimo disse...

O cafezinho é um elo: os homens deixam de se olhar, para simplesmente ignorar. O vínculo entre a possibilidade de humanidade e a ausência completa dela. Um paradoxo, mas um paradoxo lindo. E viva Machado!

Anônimo disse...

Parado na rua, no elevador, numa festa, na estrada... Sempre somos parados. O problema é que nunca lembramos quem nos parou!

Anônimo disse...

Não te acuse por isso, uma resposta negativa não busca o mal do outro, mas o nosso próprio bem. Não sei como chegamos a esse ponto, mas no mundo de hoje se não pensarmos em nós mesmos ninguém há de pensar. É bom saber que, enquanto pra alguns esse seria um fato natural e sem importância, pra outros isso causa repugnancia e revolta. São muito importantes as tuas palavras, Biel.